Não havendo motivo que justifique a sua manutenção por longo período, é perfeitamente possível que a cláusula de inalienabilidade de imóvel, muito comum em doações de imóveis realizadas de pais para filhos, possa ser cancelada, a fim de proteger o direito de propriedade dos donatários e de preservar a função social do imóvel.
Foi neste sentido que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou, recentemente, um recurso especial, em uma ação judicial movida por 2 irmãos, no Estado do Paraná, que pretendiam cancelar a cláusula de inalienabilidade de um imóvel doado pelos seus pais, falecidos.
O imóvel era utilizado pelos pais mas acabou sendo doado aos 2 filhos em 2003, com as cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e de impenhorabilidade. Após o falecimento do pai em 2010 e da mãe em 2012 os filhos do casal (donatários) entraram com uma ação na justiça do PR para cancelar a cláusula de inalienabilidade e, assim, conseguirem vender o imóvel.
A ação foi rejeitada em primeira e em segunda instância, sob o entendimento de que o cancelamento das cláusulas de restrição somente é possível quando demonstrado um justo motivo, o que, para a Justiça do Paraná, não foi observado pelos donatários.
STJ entende que cláusula de inalienabilidade representa uma restrição ao direito de propriedade
O ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator do caso no STJ, destacou que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de admitir o cancelamento da cláusula de inalienabilidade, nos casos em que não exista justo motivo para a sua manutenção, bem como naqueles em que haja risco ao exercício do direito de propriedade.
“A cláusula de inalienabilidade representa uma severa restrição ao direito de propriedade, pois impede que o proprietário exerça um dos poderes inerentes ao domínio: o de dispor livremente do bem. É natural que, por integrar o seu patrimônio, possa dele se desfazer, recebendo, quiçá, contraprestação que mais seja benéfica aos seus interesses e, talvez, mais bem alcançando ao bem a sua devida função social”
Sanseverino ressaltou que, na maioria das vezes, a cláusula de inalienabilidade, assim como acontece com as demais cláusulas restritivas apontadas acima, é benéfica para os donatários, mas que seu cancelamento deve ser admitido, sobretudo, em situações que possam prejudicar o direito de propriedade.
“Nem sempre, todavia, será assim, seja porque a imobilização do bem nas mãos dos donatários poderá não lhes garantir a subsistência, seja porque a própria função social do imóvel objeto do negócio a título gratuito resta por todo combalida, assumindo-se uma posição ‘antieconômica’, nas palavras de Clóvis Bevilácqua, com a sua retirada do mercado por dilargadas décadas, cristalizando-o no patrimônio de quem dele não mais deseja ser o seu proprietário”.
Artigo 1.848 do Código Civil exige prévia demonstração de motivo justo para inserção de cláusula restritiva em testamentos
Paulo Sanseverino também lembrou que o artigo 1.848 do Código Civil exige, em testamentos, que a imposição da cláusula de inalienabilidade de imóvel seja acompanhada de prévia justificativa.
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E finalizou seu voto dizendo “Se é verdade que a vontade do doador e instituidor da cláusula de inalienabilidade merece respeito, do mesmo modo, o direito de propriedade daquele que recebe o bem graciosamente merece a devida proteção”.
O STJ acolheu o recurso especial dos autores da ação, por unanimidade de votos, e determinou o cancelamento da cláusula de inalienabilidade.