A venda de bem de pai para filho, com intermediário, sem a participação do cônjuge e dos outros herdeiros, é cabível e aceita pelos nossos tribunais?
Recentemente, chegou até o Superior Tribunal de Justiça (STJ) um recurso especial interposto contra uma decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de Goiás em uma ação de anulação de negócio jurídico, na qual a controvérsia pairava exatamente sobre o questionamento feito acima.
Consta no caso ora em debate que uma mãe havia alienado para um dos seus filhos 60 hectares de terra, através de uma pessoa interposta, sem que houvesse a concordância do seu cônjuge e dos outros herdeiros.
Sentindo-se prejudicados, os herdeiros que não participaram da transação entraram com uma ação de nulidade de negócio jurídico contra a mãe e o irmão deles, por questionarem a validade da operação de venda das terras.
De acordo com os réus, a venda de bem de pai para filho através de pessoa interposta (intermediário), sem a participação do cônjuge e dos demais herdeiros, com o objetivo de dissimular doação de bens, seria um negócio jurídico anulável (e não nulo, com defenderam os autores) e que a ação com tal finalidade deve ser proposta no prazo de 2 anos, a contar da data de concretização da operação (leia-se, com o registro da escritura).
A justiça de Goiás, em primeira e segunda instância, julgou procedente a ação e declarou a nulidade da transação feita pelos réus, por considerar que os autores não estariam sujeitos ao prazo decadencial de 2 anos do artigo 179 do código civil, por se tratar de uma doação inoficiosa (prejudica a legítima de herdeiros que dela não participaram – artigo 479 Código Civil).
STJ diz que venda de bem de pai para filho se submete ao prazo decadencial
Ao votar como relatora no julgamento do recurso especial nº 1.679.501, que foi apresentado pelos réus contra a decisão do Tribunal de Justiça de Goiás, a ministra Nancy Andrigui destacou que ao contrário do código civil de 1916 que era omisso, o código civil de 2002 prevê expressamente no artigo 496 a possibilidade de anulabilidade de negócio jurídico similar ao que foi tratado naquela ação, desde que a pretensão seja feita no prazo legal de 2 anos.
Segundo ela, “Diversamente do que se constatava no Código Civil de 1916 – que era omisso quanto à natureza do vício da venda de ascendente a descendente sem o consentimento dos demais descendentes –, o CC/2002 passou a definir, expressamente, que a hipótese seria de anulabilidade do ato jurídico, e não de nulidade de pleno direito, encerrando divergências doutrinárias e jurisprudenciais sobre sua específica natureza”
Nancy Andrigui salientou que a transação celebrada entre os réus com a participação de terceira pessoa visou superar a autorização dos outros herdeiros e do cônjuge, tornando possível, então, a anulabilidade do negócio com base no artigo 179 do código civil.
“Considerando que a venda por interposta pessoa não é outra coisa que não a tentativa reprovável de contornar-se a exigência da concordância dos demais descendentes e também do cônjuge, para que seja hígida a venda de ascendente a descendente, deverá ela receber o mesmo tratamento conferido à venda direta que se faça sem essa aquiescência”
Para a relatora, o prazo decadencial de 2 anos para anulabilidade de negócio jurídico deve ser aplicado em 2 situações, quais sejam, quando se tratar de venda de bem de pai para filho, de forma direta, ou por intermediário, desde que em ambas as hipóteses seja sonegada a participação dos outros herdeiros e do cônjuge do(a) vendedor(a).
Assim, após tomarem conhecimento de que a ação foi proposta após o fim do prazo decadencial de 2 anos, a relatora e os demais ministros da 3ª Turma do STJ acolheram por unanimidade o recurso especial dos réus, reformando a decisão do TJ/GO.
Fonte: STJ