factoring

Através do presente artigo objetivamos tratar do contrato de fomento mercantil, mais popularmente conhecido como Factoring, e sua utilização na prática comercial como instrumento de gestão de créditos resultantes de vendas a prazo, bem como a interpretação atual adotada pelos Tribunais Superiores sobre a sua natureza de cessão de créditos civis, que autoriza a oposição de exceções pessoais contra a empresa faturizadora, retirando-se assim, a abstração, e autonomia oriundas do título cambial, objeto de cobrança.

Conceito básico do Contrato de Factoring

Factoring (ou faturização ou fomento mercantil) é o contrato por meio do qual um empresário (faturizado) cede a uma instituição de factoring (faturizadora), total ou parcialmente, os títulos de créditos recebidos com a atividade empresária para que a faturizadora antecipe os pagamentos a prazo ou faça apenas a administração desses créditos.

Em outras palavras, é o contrato em que um empresário (faturizador) se encarrega de administrar o crédito eventual de outro empresário (faturizado) e do recebimento de faturas no vencimentos e eventual procedimento de cobrança, em caso de inadimplemento dos credores do faturizado.

Em um cenário passado recente de economia estável e inflação baixa, o crédito assumiu uma função importantíssima para o desenvolvimento das atividades negociais, incentivando a prática comercial de concessão de crédito aos clientes, como forma de alavancar vendas.

Ocorre que, ao conceder crédito, o empresário, além de assumir o risco da insolvência de seus clientes, chama para si uma tarefa a mais: a de administração de sua carteira de devedores.

Foi a partir daí, que surgiu a figura do Contrato de Factoring, possibilitando o adiantamento de valores a título de crédito eventual ao empresário faturizado, financiando assim, suas necessidades momentâneas de caixa.

O contrato de factoring, pois, serve ao empresário justamente para lhe permitir uma melhor organização do seu negócio, atendendo principalmente aos interesses dos pequenos e médios empreendedores, que têm mais dificuldade de acesso ao crédito pelas vias normais do sistema financeiro nacional” (RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito empresarial. 7ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense. São Paulo: Método, 2017, p. 653).

Adotando-se o conceito emprestado da legislação que regulamenta o imposto de renda de pessoa jurídica, trata-se de modalidade de contrato atípico, autorregulado, celebrado por empresas que se dedicam à compra de faturamento, chamadas de empresas de fomento, que objetivam, ainda que indiretamente, a prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção de riscos, administração de contas a pagar e a receber, compra de direito creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços (factoring), nos termos da alínea “d” do inciso III do §1º do artigo 15 da Lei 9.249/95.

Convém salientar ainda, que a antecipação de valores não é obrigatória em todos os casos de contrato de fomento mercantil, daí porque se distinguem duas espécies dessa modalidade contratual:

  1. Conventional factoring;
  2. Maturity factoring.

No conventional factoring há a antecipação dos valores referentes aos créditos do faturizado, mas o mesmo não ocorre no maturity factoring, em que há apenas a prestação de serviços de administração do crédito.

O que diz a jurisprudência sobre o Factoring

À míngua de tratamento legislativo sobre o tema, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça converge no sentido de que a transferência dos créditos à faturizadora, por força do contrato de fomento, se opera por meio de CESSÃO CIVIL DE CRÉDITO, o que atrai a aplicação do art. 294 do Código Civil, que dispõe, in verbis:

 “Art. 294. O devedor pode opor ao cessionário as exceções que lhe competirem, bem como as que, no momento em que veio a ter conhecimento da cessão, tinha contra o cedente”.

Esse entendimento leva em consideração a própria natureza civil do contrato, visto existir conhecimento prévio por parte da empresa faturizadora acerca da situação jurídica dos créditos objetos de negociação, ao contrário do que se dá no regime cambiário, em que o endossatário do título é terceiro, cuja boa-fé é presumida e protegida pelo princípio da abstração, garantindo-lhe a desvinculação da relação jurídica subjacente, da qual, frise-se, sequer participara.

Em verdade, é fundamental para a caracterização do contrato de factoring um envolvimento entre faturizadora e faturizada bem mais profundo que a mera transferência de títulos. Há, como visto, também a prestação de serviços de consultoria tendentes a, em última análise, otimizar a administração e o gerenciamento da carteira de clientes e dos créditos da sociedade faturizada.

Desta forma, não é razoável cogitar o completo desconhecimento, pela faturizadora, da situação de inadimplemento da sociedade faturizada. Ao contrário, como aponta a jurisprudência, não é de forma alguma infundado exigir que o faturizador, pela própria natureza dos serviços que deve prestar, perquira sobre a situação jurídica dos créditos que estão à base dos títulos que adquire por endosso.

Se, por um lado, tal providência gera a obrigação do faturizador de orientar seu cliente para a manutenção de uma gerência financeira eficaz; por outro, reduz os riscos a que estaria exposta a sociedade faturizadora, na medida em que impede que ela adquira créditos evidentemente inexistentes.

Note-se que pelo contrato de factoring, há compra de créditos, ou de ativos de uma empresa, e não apenas de títulos. Assim sendo, não se opera o simples endosso, mas verdadeira negociação, donde é facultada a escolha dos créditos.

Ao receber o borderô dos títulos, tem o faturizador a faculdade de rejeitar os aqueles que não lhe interessam, podendo inclusive, exigir os comprovantes da entrega das mercadorias, o que infunde maior garantia ao negócio.

Assim, tratando-se de cessão civil de crédito, e não de mero endosso, a faturizadora não remanesce imune, como visto, às exceções pessoais e, por conseguinte, àquelas atinentes ao negócio jurídico subjacente entre o emitente do cheque e a sociedade faturizada, nos termos do art. 294 do CC.

Nessa direção, firme é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À AÇÃO MONITÓRIA. CHEQUE. CONTRATO DE FACTORING. CESSÃO DE CRÉDITO (ART. 294 DO CÓDIGO CIVIL). EXCEÇÕES PESSOAIS. OPONIBILIDADE À FATURIZADORA. POSSIBILIDADE. 1. É possível a oposição de exceções pessoais à faturizadora, visto que recebe o cheque por força de contrato de cessão de crédito, cuja origem é – ou pelo menos deveria ser – objeto de análise, o que faz com que não se equipare a terceiros a quem o título pudesse ser transferido por endosso e cuja boa-fé os princípios da autonomia e abstração visam proteger. 2. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp 1.283.369/RS, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, T3 – Terceira Turma – j. 04/02/2016, p. 18/02/2016).

Ementa: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. TÍTULO DE CRÉDITO. DUPLICATA DE COMPRA E VENDA. MERCADORIAS NÃO ENTREGUES. CONTRATO DE FACTORING. MERA CESSÃO CIVIL DE CRÉDITO. OPONIBILIDADE DAS EXCEÇÕES PESSOAIS. POSSIBILIDADE. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. No contrato de factoring, a transferência dos créditos não se opera por simples endosso, mas por cessão de crédito, subordinando-se, por consequência, à disciplina do art. 294 do Código Civil, contexto que autoriza ao devedor a oponibilidade das exceções pessoais em face da faturizadora. Precedentes. 2. Agravo interno a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 591.952/SP, Rel. Ministro Raul Araújo, T4 – Quarta Turma – j. 19/04/2016, p. 29/04/2016).

Ementa: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA DE DUPLICATAS ACEITAS. DESCUMPRIMENTO DO NEGÓCIO JURÍDICO SUBJACENTE COMPROVADO. POSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO COM A EMPRESA DE FACTORING. 1. No contrato de factoring, em que há profundo envolvimento entre faturizada e faturizadora e amplo conhecimento sobre a situação jurídica dos créditos objeto de negociação, a transferência desses créditos não se opera por simples endosso, mas por cessão de crédito, hipótese que se subordina à disciplina do art. 294 do Código Civil. 2. A faturizadora, a quem as duplicatas aceitas foram endossadas por força do contrato de cessão de crédito, não ocupa a posição de terceiro de boa-fé imune às exceções pessoais dos devedores das cártulas. 3. Recurso especial conhecido e desprovido. (STJ, REsp 1439749 RS 2011/0222365-6, Rel. Min. João Otávio de Noronha, T3 – Terceira Turma – j. 02/06/2015, p. 15/06/2015).

Convém destacar ainda, que ao ser considerada a hipótese de inexistência de uma relação contratual entre as sociedades empresarias, haveria a transferência de título cambial por meio de simples endosso translativo, aplicando-se o regime cambiário, e seus princípios norteadores (cartularidade, literalidade, autonomia e inoponibilidade das exceções pessoais ao terceiro de boa-fé).

De tal regime emana a regra de que o cheque, por exemplo, não se vincula ao negócio jurídico que lhe deu origem, pois o possuidor de boa-fé não pode ser restringido em virtude das relações entre anteriores possuidores e o emitente, descabendo falar em oposição de exceções pessoais relacionadas ao negócio jurídico subjacente a emissão do título de crédito.

Vale destacar que a figura do endosso, constitui declaração cambiária acessória pela qual o endossante do título de crédito transmite seus direitos ao endossatário.

Sobre a inoponibilidade das exceções pessoais fundadas nas relações com os demais integrantes da cadeia de endosso, dispõe especificamente o art. 25 da Lei 7.357/85 (Lei do Cheque), in verbis:

Art. 25 Quem for demandado por obrigação resultante de cheque não pode opor ao portador exceções fundadas em relações pessoais com o emitente, ou com os portadores anteriores, salvo se o portador o adquiriu conscientemente em detrimento do devedor.

 Tal princípio encontra assento também no art. 17 da LUG e no art. 22 da Lei Uniforme de Genebra:

Art. 17. As pessoas acionadas em virtude de uma letra não podem opor ao portador exceções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador ao adquirir a letra tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor.

 Art. 22. As pessoas acionadas em virtude de um cheque não podem opor ao portador as exceções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador, ou com os portadores anteriores, salvo se o portador ao adquirir o cheque tiver procedido conscientemente em detrimento do devedor.

Para tanto, as exceções seriam inoponíveis ao terceiro de boa-fé. E a boa-fé se presume, cabendo àquele que eventualmente alegue a má-fé o ônus de prova-la, demonstrando, por exemplo, ajuste prévio de vontades entre o atual portador do título e o seu titular.

É preciso atentar, também, para o fato de que a circulação do título é vital para que se opere a sua abstração, e consequente desvinculação do negócio originário. Veja-se que enquanto a relação cambial é travada entre os próprios sujeitos que participaram da relação que originou o título, existe uma vinculação entre esta relação e o título dela originado.

Posto em circulação, o título passará a vincular outras pessoas, que não participaram da relação originária, e que por isso assumem obrigações e direito tão somente em função do título, representado pela cártula.

Reforçando o tema abordado, anote-se que o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que o risco assumido pelo faturizador é inerente à operação de factoring, não podendo o faturizado responder regressivamente, exceto se tiver dado causa ao inadimplemento dos títulos, já que não garante a solvência do título:

Ementa: COMERCIAL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. NOTA PROMISSÓRIA E CONTRATO DE FACTORING. INADIMPLÊNCIA DO ADQUIRENTE DA MERCADORIA. RECOMPRA. RESPONSABILIDADE DA FATURIZADA. QUESTÃOFÁTICA NÃO APRECIADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. ENUNCIADO N. 7 DA SÚMULA DO STJ. 1. O risco assumido pelo faturizador é inerente à operação de factoring, não podendo o faturizado ser demandado para responder regressivamente, salvo se tiver dado causa ao inadimplemento dos contratos cedidos (precedentes), hipótese que, segundo a recorrente, estaria prevista em cláusula contratual. 2. No caso concreto, apesar de a exequente, faturizadora, ter alegado a responsabilidade da faturizada pelo inadimplemento do adquirente das mercadorias – devolução de produtos impróprios para o consumo -, os acórdãos da apelação e dos aclaratórios não apreciaram tal questão fática, deixando a recorrente de veicular no recurso especial violação do art. 535 do CPC. Tais circunstâncias tornam inviável o exame, em recurso especial, da prova dos autos, com o propósito de acolher o pedido recursal de prosseguimento da execução, incidindo o óbice do enunciado n. 7 da Súmula do STJ. 3. Recurso especial desprovido. (REsp 1163201/PE, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 02/12/2014, DJe 24/03/2015)

Ainda que haja cláusula no contrato de factoring que preveja a responsabilidade da faturizada pelo inadimplemento, tal cláusula deve ser considerada nula, porque retiraria da faturizada o risco inerente aos contratos dessa natureza:

Ementa: PROCESSUAL CIVIL E COMERCIAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE FACTORING. RESPONSABILIDADE DA FATURIZADA PELO SIMPLES INADIMPLEMENTO DO TÍTULO. INEXISTÊNCIA. OBRIGAÇÃO DE RECOMPRA INVÁLIDA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM. 1. Na linha dos precedentes desta Corte, a empresa faturizada não responde pelo simples inadimplemento dos títulos cedidos, salvo se der causa à inadimplência do devedor. Assim, deve ser declarada nula a cláusula de recompra, tendo em vista que a estipulação contratual nesse sentido retira da empresa de factoring o risco inerente aos contratos dessa natureza. 2. Cabe determinar o retorno dos autos à instância ordinária para que o Tribunal a quo dê continuidade no julgamento da apelação, analisando os pedidos subsidiários não apreciados na origem em decorrência do acolhimento, à época, da pretensão principal. 3. Agravo regimental provido em parte. (AgRg no REsp 1361311/ MG, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 20/11/2014, DJe 01/12/2014)

Todavia, não obstante não responda pelo inadimplemento dos títulos, a faturizada garante a existência dos créditos:

Ementa: DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL. CONTRATO DE FACTORING. CESSÃO DE CRÉDITO PRO SOLUTO. ARTS. 295 E 296 DO CÓDIGO CIVIL. GARANTIA DA EXISTÊNCIA DO CRÉDITO CEDIDO. DIREITO DE REGRESSO DA FACTORING RECONHECIDO. 1. Em regra, a empresa de factoring não tem direito de regresso contra a faturizada – com base no inadimplemento dos títulos transferidos -, haja vista que esse risco é da essência do contrato de factoring. Essa impossibilidade de regresso decorre do fato de que a faturizada não garante a solvência do título, o qual, muito pelo contrário, é garantido exatamente pela empresa de factoring. 2. Essa característica, todavia, não afasta a responsabilidade da cedente em relação à existência do crédito, pois tal garantia é própria da cessão de crédito comum – pro soluto. É por isso que a doutrina, de forma uníssona, afirma que no contrato de factoring e na cessão de crédito ordinária, a faturizada/cedente não garante a solvência do crédito, mas a sua existência sim. Nesse passo, o direito de regresso da factoring contra a faturizada deve ser reconhecido quando estiver em questão não um mero inadimplemento, mas a própria existência do crédito. 3. No caso, da moldura fática incontroversa nos autos, fica claro que as duplicatas que ensejaram o processo executivo são desprovidas de causa – “frias” -, e tal circunstância consubstancia vício de existência dos créditos cedidos – e não mero inadimplemento -, o que gera a responsabilidade regressiva da cedente perante a cessionária. 4. Recurso especial provido. (REsp 1289995/PE, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 20/02/2014, DJe 10/06/2014)

Por essa razão, a faturizadora tem direito de regresso em face da faturizada em caso de inexistência do crédito.

Considerações finais

Neste artigo, abordamos, de forma resumida, os principais aspectos relacionados ao contrato de fomento mercantil, mais popularmente conhecido como contrato de factoring, seus efeitos civis, com destaque para a possibilidade de oponibilidade de exceções pessoais inerentes ao negócio a que deu origem ao título de crédito faturado.

Falamos também sobre a responsabilidade do faturizador pelo inadimplemento da faturizada para com a obrigação principal que resultou a emissão do título de crédito objeto do negócio.

Analisamos ainda, o atual posicionamento do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema objeto deste estudo, sendo citadas algumas decisões judiciais proferidas no sentido de admitir a possibilidade de oposição de exceções pessoais à faturizadora, bem como negando a responsabilização da empresa faturizada em eventual regresso, exceto nos casos em que tenha dado causa ao inadimplemento, dado o risco inerente à operação de factoring.

Esperamos que este artigo ajude às pessoas em geral, sobretudo às do ramo empresarial, a compreender as consequências jurídicas da realização de operações de factoring, como prática comercial comumente utilizada no mercado, além de seus reflexos positivos e negativos no âmbito das atividades negociais.

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