É possível obter a isenção de ICMS para Farmácias de Manipulação e empresas de operações mistas ou ambas também estão sujeitas ao referido tributo além do imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS)?
Para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), as farmácias de manipulação apenas estão obrigadas ao recolhimento do ISS.
Já o Supremo Tribunal Federal (STF), apesar de ainda não ter se posicionado sobre o assunto em definitivo reconhece que o tema é relevante e merece uma reflexão aprofundada.
Neste artigo, faremos uma breve análise sobre o sistema tributário aplicado às farmácias de manipulação, no passado e no presente.
Falaremos também sobre a regulamentação destes sistemas de tributação e sobre como a isenção para farmácias de manipulação e empresas de operações mistas pode ser alcançada pelos contribuintes.
Conceitos básicos de ICMS e de ISS
O imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, popularmente conhecido como ICMS, é um tributo estadual, previsto no artigo 155, inciso II da Constituição Federal.
Sua cobrança e regulamentação normativa é de responsabilidade dos Estados.
Por sua vez, o ISSQN – Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza ou ISS – Imposto Sobre Serviços – é um imposto municipal, previsto no artigo 156, III da Constituição Federal e regulamentado pela Lei Complementar nº 116/2003.
Critério da Preponderância do Serviço ou da Mercadoria
No passado, as empresas com operações mistas eram obrigadas a recolher o ICMS, por força do que estava previsto no artigo 71 do Código Tributário Nacional de 1966 que prestigiava o chamado Critério da Preponderância do Serviço ou da Mercadoria.
Naquela época, a cobrança de ICMS para empresas de operações mistas era feita pelos Estados com base no critério da preponderância do serviço ou da mercadoria.
Porém, tal situação se alterou a partir da Constituição Federal de 1967.
Isto porque o texto constitucional de 1967, em seu artigo 25, inciso II, atribuía aos Municípios a competência para regulamentar os tributos sobre serviços.
Mais adiante, com o Decreto-Lei nº 406/68 (entrou em vigor em 31 de dezembro de 1968), inaugurou-se a sistemática de tributação do ISS com base na listagem taxativa, a qual, inclusive, é aplicada até hoje.
Decreto-Lei nº 406/1698 – Listagem Taxativa
O Decreto-Lei nº 406/1968 entrou em vigor em 31 de dezembro de 1968 e revogou o artigo 71 do Código Tributário Nacional de 1966.
Com isso, o critério da preponderância do serviço ou da mercadoria deixou de ser aplicado pelo Fisco.
Em seu lugar, o Decreto-Lei nº 406/1968, em seu artigo 8º, deu origem a uma sistemática de tributação com base em uma listagem taxativa.
Assim, todos os serviços que nela estivessem previstos deveriam ser tributados apenas pelo ISS, ainda que os serviços estivessem relacionados ao fornecimento de mercadorias.
Portanto, foi a partir daí que farmácias de manipulação e outras empresas de operações mistas se tornaram isentas do recolhimento de ICMS, ficando sujeitas apenas ao pagamento de ISS.
Sistema atual de tributação do ISS
A regulamentação da cobrança do ISS foi alterada no dia 31 de julho de 2003, data em que entrou em vigor a Lei Complementar nº 106/03 que substituiu o Decreto-Lei nº 406/68 e que permanece em vigência
Para acessar a LC nº 116/03 no site do Planalto clique aqui.
A LC 116/2003 manteve a listagem taxativa como critério de tributação do ISS, incorporando, praticamente, a que constava no Decreto-Lei nº 406/68.
Além disso, no parágrafo 2º do artigo 1º a LC nº 116/2003 ficou estabelecido que todos os serviços previstos em sua lista seriam isentos de ICMS.
Desta forma, com a manutenção de tal listagem taxativa a isenção do ICMS para farmácias de manipulação e empresas de operações mistas passou a ser perseguida judicialmente, pois mesmo assim, os Estados continuaram a efetuar cobrança de tal tributo.
Os serviços previstos na lista da LC Nº 116/2003
A listagem taxativa anexa à Lei Complementar nº 116/2003 apresenta uma relação extensa dos serviços que são isentos de ICMS e tributados apenas pelo ISS.
No caso das farmácias de manipulação, o serviço farmacêutico está previsto no item 4.07 da listagem taxativa.
Mas como a lista de serviços é extensa recomendamos que cada contribuinte possa acessá-la de acordo com sua conveniência (Clique aqui e acesse a Listagem Taxativa Anexa à LC Nº 116/2003).
Como STJ e STF se posicionam sobre a isenção de ICMS para farmácias de manipulação
O STJ, por diversas vezes, já firmou entendimento de que as empresas com operações mistas, tais como farmácias de manipulação, hospitais, gráficas e outras previstas na listagem da LC Nº 116/2003, somente estão sujeitas ao ISS.
Aquele Tribunal, inclusive, editou as Súmulas nºs 156, 167 e 274 após ter reconhecido que a isenção de ICMS também é aplicável para hospitais, gráficas e empresas de construção civil, já que os serviços destes segmentos estão na listagem da LC 116/2003.
Para o STJ, o recolhimento de ISS para os serviços previstos na listagem taxativa da Lei Complementar nº 116/2003 deve ser feito com base no preço total (sem abatimento de bens, independente do valor).
Súmula 156/STJ: A prestação de serviço de composição gráfica, personalizada e sob encomenda, ainda que envolva fornecimento de mercadorias, esta sujeita, apenas, ao ISS.
Súmula 167/STJ: O fornecimento de concreto, por empreitada, para construção civil, preparado no trajeto até a obra em betoneiras acopladas a caminhões, é prestação de serviço, sujeitando-se apenas à incidência do ISS.
Súmula 274/STJ: O ISS incide sobre o valor dos serviços de assistência médica, incluindo-se neles as refeições, os medicamentos e as diárias hospitalares.
Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal ainda não se posicionou, em definitivo, a respeito da matéria.
Apesar disso, no ano de 2011, ao apreciar o Recurso Extraordinário nº 605552, o STF reconheceu que o assunto possui grande relevância e por isso, demanda uma grande reflexão pelos especialistas.
Na ocasião do referido julgamento, o ministro Dias Toffoli, relator do caso, entendeu que a controvérsia deverá ser julgada pelo colegiado do Supremo Tribunal Federal (todos os ministros), a fim de que o posicionamento que venha a ser adotado passe a valer para qualquer processo em curso ou novo que venha a discutir a matéria.
Independente disso, acreditamos que o STF seguirá o mesmo posicionamento já adotado pelo STJ, reconhecendo, então, que os serviços elencados na listagem taxativa anexa da Lei Complementar nº 116/2003 somente devem recolher o tributo municipal do ISSQN ou ISS.
Como a isenção de ICMS para farmácias de manipulação pode ser obtida
As empresas que possuem operações mercantis de natureza mista, cujos serviços prestados estejam previstos na listagem taxativa anexa da Lei nº 116/2003 têm o direito de obter a isenção de recolhimento do ICMS, bem como de recuperarem o crédito tributário relativo ao pagamento de tal tributo nos últimos 5 anos, por meio da distribuição das ações judiciais cabíveis.
O entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema, como também as Súmulas 156, 167 e 254 do próprio STJ e reconhecimento do Supremo Tribunal Federal sobre a repercussão geral que o assunto impõe, como destacado anteriormente, representam o forte fundamento jurídico que vem sendo utilizado nas inúmeras decisões judiciais espalhadas pelo país, muitas das quais em caráter liminar, que vem sendo proferidas em favor dos contribuintes sujeitos à tributação exclusiva do ISS, por força da Lei Complementar nº 116/2003.
A seguir, relacionamos algumas decisões judiciais proferidas em favor dos contribuintes sobre o assunto tratado no presente artigo:
TRIBUTÁRIO. ISS. FARMÁCIAS DE MANIPULAÇÃO. PREPONDERÂNCIA DO SERVIÇO OU DA MERCADORIA. IRRELEVÂNCIA. LISTA DE SERVIÇOS. INCIDÊNCIA EXCLUSIVA DO TRIBUTO MUNICIPAL.
1. Hipótese em que o Tribunal de origem entendeu incidir exclusivamente o ICMS sobre o preparo, a manipulação e o fornecimento de medicamentos por farmácias de manipulação, pois haveria preponderância da mercadoria em relação ao serviço.
2. O critério da preponderância do serviço ou da mercadoria, adotado pela redação original do CTN de 1966 (art. 71, parágrafo único), foi logo abandonado pelo legislador. A CF/1967 (art. 25, II) previu a definição dos serviços pela legislação federal. O DL 406/1968 revogou o art. 71 do CTN e inaugurou a sistemática da listagem taxativa, adotada até a atualidade (LC 116/2003).
3. A partir do DL 406/1968 (art. 8º, § 1º), os serviços listados submetem-se exclusivamente ao ISS, ainda que envolvam o fornecimento de mercadorias. A regra é a mesma na vigência da LC 116/2003 (art.
1º, § 2º). A preponderância do serviço ou da mercadoria no preço final é irrelevante.
4. O Superior Tribunal de Justiça prestigia esse entendimento em hipóteses análogas (serviços gráficos, de construção civil, hospitalares etc.), conforme as Súmulas 156, 167 e 274/STJ.
5. Os serviços prestados por farmácias de manipulação, que preparam e fornecem medicamentos sob encomenda, submetem-se à exclusiva incidência do ISS (item 4.07 da lista anexa à LC 116/2003).
Precedente da Primeira Turma.
6. Recurso Especial provido.
(REsp 975.105/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/10/2008, DJe 09/03/2009)
0041086-94.2010.8.19.0001 – APELAÇÃO
Des(a). JDS MARIA CELESTE PINTO DE CASTRO JATAHY – Julgamento: 23/05/2018 – DÉCIMA TERCEIRA CÂMARA CÍVEL
Apelação Cível. Tributário. Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídico-Tributária c/c Repetição de Indébito, com pedido de tutela antecipada. Cobrança de ICMS sobre os medicamentos manipulados e fornecidos por farmácia de manipulação. Sentença de procedência do pedido autoral que reconhece a inexistência de relação jurídico-tributária com o fisco estadual no que tange às operações mistas (prestação de serviço de manipulação e fornecimento do medicamento manipulado), realizadas pela autora e que constituem fato gerador de ISSQN, bem como entende devida a repetição de indébito, relativa ao ICMS recolhido em decorrência das operações mistas, observada a prescrição quinquenal. Recurso interposto pelo réu, postulando a reforma do julgado, com improcedência do pedido do autor. Alternativamente, requer a suspensão do feito a fim de se aguardar a decisão a ser proferida no RE 605.552/RS, que reconheceu a repercussão geral do tema. Não obstante ter sido reconhecida a repercussão geral, não houve determinação do Relator do RE para sobrestamento dos feitos em trâmite. Entendimento do STJ no sentido de que o serviço farmacêutico prestado pelas farmácias de manipulação se inclui no item 4.07 da Lista anexa à Lei Complementar 116/03, sujeitando-se à incidência do ISSQN ou ISS (REsp 881.035 e REsp 975.105). Sentença que se mantém. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO.
0002293-68.2010.8.19.0007 – APELACAO / REMESSA NECESSARIA
Des(a). WILSON DO NASCIMENTO REIS – Julgamento: 19/04/2018 – VIGÉSIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL. REEXAME NECESSÁRIO. DIREITO TRIBUTÁRIO. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. FARMÁCIA DE MANIPULAÇÃO. CONTROVÉRSIA QUANTO AO SUJEITO ATIVO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARA DECLARAR INCIDENTE O IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA – ISSQN OU ISS. INCONFORMISMO DO ESTADO RÉU. ACERTO DO JULGADO. O Excelso Superior Tribunal de Justiça, em julgamentos ocorridos no ano de 2008, firmou seu entendimento no sentido de que o serviço farmacêutico prestado pelas Farmácias de Manipulação, ora apelada, estaria incluso no item 4.07 da Lista anexa à Lei Complementar nº 116/03, como serviço sujeito à incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN ou ISS). O citado sodalício Superior Tribunal de Justiça, entendeu o caráter suplementar do Imposto Sobre Circulação de Mercadoria e Serviço – ICMS, tributo estadual, quando se tratar de operações mistas, isto é, que englobam mercadores e serviços. Dessa forma, somente será caso de cobrança de ICMS quando o serviço em questão não estiver inserto na Lista Anexa à Lei Complementar nº 116/2003. Sentença de procedência que deve ser mantida em todos os seus termos. Precedentes jurisprudenciais do STJ e desta Corte de Justiça. Recurso do Estado réu ao qual se nega provimento. Sentença mantida em reexame necessário.
Entendemos que ao obter a isenção de recolhimento do ICMS, terá o contribuinte, cujos serviços estão sujeitos à tributação exclusiva do ISS (LC Nº 116/2003) os seguintes benefícios:
- Redução da carga tributária (conforme isenção do ICMS);
- Aumento da lucratividade (preço final menor = maior nº de vendas)
- Reforço no fluxo de caixa (Recuperação do crédito tributário dos últimos 5 anos);
- Possibilidade de novos investimentos.
Desta forma, para conseguir obter a isenção de ICMS com base no artigo 1º, parágrafo 2º e na listagem anexa da Lei Complementar nº 116/2003, o contribuinte, necessariamente, deverá ingressar com uma ação judicial em face do Estado, pleiteando a declaração de inexistência de relação jurídica de crédito-tributário, para fins de alcançar a isenção de recolhimento de ICMS em suas operações mercantis, bem como a condenação do Estado a restituir o montante que foi recolhido de ICMS dos últimos 5 anos com os acréscimos legais.
Conclusão
Neste artigo, foi abordado, de forma sintética, os principais aspectos relacionados à evolução da legislação tributária brasileira a respeito do recolhimento de ICMS sobre operações mistas.
Falamos também sobre o conceito básico de ICMS e de ISS, a competência federativa atribuída a cada um dos tributos pela Constituição Federal e seus respectivos fatos geradores.
Em seguida, analisamos o critério da preponderância do serviço ou da mercadoria que era adotado pelo artigo 71 do Código Tributário Nacional de 1966 para legitimar a cobrança de ICMS sobre as operações mistas, bem como os fatores que levaram tal critério ao desuso.
Abordamos também os aspectos relacionados ao sistema de tributação de ISS que passou a ser aplicado para contribuintes vinculados à operações mistas, com base nos serviços indicados na listagem taxativa do Decreto-Lei nº 406/68 e que após ter sido incorporado pela Lei Complementar nº 116/2003, permanece em vigor até hoje.
Analisamos ainda o atual posicionamento do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal a respeito do tema objeto deste estudo, citamos algumas decisões judiciais que vem sendo proferidas, favoravelmente, aos contribuintes e, ainda, elencamos os principais benefícios que a isenção de recolhimento de ICMS pode representar para os contribuintes que estão sujeitos à tributação exclusiva do ISS, por força da Lei Complementar nº 116/2003 e de que maneira a isenção do tributo estadual pode ser alcançada pela via judicial.
Esperamos que este artigo ajude as pessoas a compreenderem um pouco mais sobre esta importante questão tributária relacionada à isenção de recolhimento de ICMS que é atribuída aos contribuintes vinculados às operações mercantis de natureza mista pela Lei Complementar nº 116/2003, não apenas para que os indivíduos, de maneira geral, percebam como o Estado vem tributando, de forma equivocada e ilegal, boa parte dos seus contribuintes, mas, sobretudo, para que àqueles que permanecem sendo lesados pelo Fisco consigam visualizar os benefícios que poderão ser alcançados caso adotadas as medidas judiciais cabíveis para reparar os abusos cometidos pela fazenda estadual.
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